Durante a temporada de Milão, em uma de nossas muitas conversas diárias pelo Whatsapp, o Augusto Mariotti me manda essa foto:
Respondi imediatamente com o emoji de surpresa e disse: morri!
A imagem daquelas super modelos de volta, juntas na passarela, mexeu comigo. E com todo mundo que estava lá ou viu o desfile online. De repente, as redes estavam impregnadas de Versace, Versace, Versace. E as pessoas excitadas, com aquele brilho no olho. Como resumiu o poser do Bryan Boy em um tweet: nesta temporada, Milão pertence à Versace.
Por que? As roupas eram melhores do que a da Gucci, Prada, Fendi, Bottega Veneta? Mais divertidas que Moschino? Ou mais cool que a N21 ou a MSGM? Não necessariamente. Uma pequena palavra traduz porque o desfile da Versace ficou em primeiro lugar: EMOÇÃO.
Ato de deslocar, movimentar.
É isso mesmo o que acontece quanto somos tocados. Um movimento, uma agitação, um êxtase. No Instagram da Versace, isso fica bem claro: as duas fotos postadas com as Supers tem 227 mil e 320 mil likes; com outras modelos, fica pelos 74 mil, 113 mi… “Para mim, foi uma oportunidade de fazer algo vivo e divertido, que cria alegria. Precisamos muito disso”, disse Donatella Versace ao NYT.
Ainda pelo whats, pensamos: por que não há mais emoção na moda de uma maneira geral se todo mundo gosta tanto quando tem? Afinal de contas, se as pessoas amam, elas se engajam. Ou seja, a marca também consegue vender quando toca pela emoção, pela energia e não apenas pelo produto.
Então por que estamos há anos nesse momento pragmático que parece não querer ir embora? Por que, hoje em dia, isso não acontece mais vezes? A resposta é sempre a crise. Ok, quando o tempo fecha, as marcas se cercam do simples (para não dizer do óbvio) porque naturalmente precisam vender. Nada que um passeio rápido pelo shopping não nos mostre. Mas isso em um ambiente de loja. Estamos falando de imagem de moda, de criacão, mágica e paixão, valores quem têm que estar na passarela, pois lá é o lugar do encantamento.
Nas araras das lojas estão as coleções comerciais e não exatamente o que está na passarela, o que não significa que elas não possam nascer e conviver em um mesmo universo.
Antes, havia menos medo de tocar. Hoje, a emoção parece um sentimento cafona e exagerado, que não conversa com o dinheiro e com a limpeza dos tempos atuais em que desfiles acontecem em galerias de arte. Justamente quando eles estão mais distantes de sua veia artística.
E por emoção, não falo que todo mundo tem que virar um Galliano nos anos 90 ou ressucitar o McQueen apesar de que, se temos momentos muito emocionantes na história contemporânea da moda, muitos deles são graças a esses dois gênios. Do minimalismo também se cria arrebatamento, pense em Helmut Lang, Margiela, os Antwerp Six…
Pensa do ponto de vista de um jornalista que cobre moda e assiste a uns 10 desfiles por dia durante uma temporada. Qual deles ficará em sua memória por mais tempo? Certamente aquele que mais tocar o seu coração. Piegas, brega, cafona, datado, use a palavra que quiser, mas é a verdade.
O casting também reflete esse momento. As modelos têm cara de tédio, na passarela parecem um exército sem expressão. Aí aparece uma Cindy Crawford e as pessoas têm uma catarse e ficam: ah, bons tempos, como tudo era mais incrível.
Na moda, nós não podemos viver no saudosismo. É um ambiente que te obriga a olhar para frente pois sua existência depende de renovação. A emoção de hoje não precisa estar obrigatoriamente conectada com a emoção de ontem.
A paixão do estilista também pode comover, por exemplo. É algo invisível, não se pode ver, apenas sentir. São momentos genuínos de moda, rápidos, mas que deixam uma impressão e que recebem imediatamente uma resposta de volta. Traduzindo para os termos de hoje, é uma customer experience maravilhosa.
Por exemplo, quando a Phoebe Philo faz um ótimo desfile pra Céline, é lindo de ver. Quando Demna mostrou sua primeira ideia para a Balenciaga, as pessoas sentiram. O desfile da Saint Laurent na Torre Eiffel emocionou não apenas pelo cenário (imagina se fosse um desfile de Tommy Hilfiger), mas pelo aspecto mais amplo: as pessoas gostam e torcem pelo Vaccarello e ele, a gente sente, está dando o melhor de si. Raf Simons está fazendo todo mundo acordar de novo para a Calvin Klein. Dries, Haider e Sacai nos pegam por sua inteligência, JWA por sua energia sempre tão fresca, Comme des Garçons pela independência, Simone Rocha e Pierpaolo (na Valentino) por seu romance moderno (aliás, um dos poucos desfiles aplaudidos de pé nesta estação). Apenas alguns exemplos.
A questão do see now buy now não pode ser um impedimento para a criação. Mesmo porque, há várias formas de tocar um público, só que tem que ser de verdade. Talvez esteja aí o principal impedimento. Em um período em que os desfiles conversam diretamente com planilhas, buscar a alma de uma marca ou coleção parece perda de tempo, verdades inventadas e depois descartadas parecem ser o caminho mais fácil. O SNBN está apenas começando e se ele surgiu é porque há demanda e necessidade, mas onde a experiência se encaixa aí?
Aqui no Brasil, estilistas como Alexandre Herchcovitch, Ronaldo Fraga, Luiz Claudio Silva, Paula Raia e Lenny Niemeyer, Marcelo Sommer e Jum Nakao (os dois na época do SPFW) e, mais recentemente, Lab, estão entre os nomes que provocam algo através de suas apresentações. Seja pela energia, encantamento, processos belos, afeto, inteligência, resistência, novidade, coragem.
Sabe que num futuro próximo, as empresas permitirão que os clientes selecionem para atende-los o vendedor que tiver a melhor pontuação em simpatia, aquele que mais facilmente consegue se conectar. Os vendedores normalmente trabalham pela lógica: tem que saber todas as informações sobre o produto, entender o estilo da marca, saber o que perguntar pro cliente, ter o preço na ponta da língua. Tudo parece perfeito. Assim como um desfile impecável do Michael Kors. O problema é que essa ponte pré-fabricada entre o vendedor e o consumidor, construída pela lógica, não é firme. “A lógica faz a pessoa pensar e a emoção faz ela agir”, disse Zig Ziglar (1926 – 2012), escritor e pensador americano que criou um império com suas palestras motivacionais.
A emoção pode ser uma vantagem! E uma forma de fazer a diferença.
POR: CAMILA YAHN
FONTE: www.ffw.uol.com.br
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